segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Os espíritas, o fanatismo e a (necro)política - por Jerri Almeida

 


Jerri Almeida - escritor, professor, historiador e livre-pensador

O fanatismo é um problema humano, potencializado pelo poder das narrativas, sejam elas de caráter religioso, ideológico ou político. Para o sociólogo francês Edgar Morin, há uma boa dose de loucura no homem. A loucura não conduziu a espécie humana à extinção. Contudo, quanta destruição de culturas, de sabedoria, de obras de arte! Em 2015, um vídeo produzido pelos militantes do Estado Islâmico chocou o mundo. Utilizando tratores e explosivos, destruíram na cidade de Palmira, Síria, o templo de Baal-Shamin, um patrimônio histórico da humanidade construído por volta do século II a.C, dedicado à divindade Baal, também chamada Beelshamên. Palmira, a cidade que foi parte do Império Romano até o ano de 273, era parada obrigatória para os comerciantes que faziam a famosa Rota da Seda que interligava o comércio entre Europa, Ásia e China.

O termo “fanático” foi cunhado no século XVIII para designar – no período da Revolução Francesa – os partidários extremistas, exaltados, possíveis defensores da guilhotina. [1] O fanatismo enquanto fenômeno histórico, presente em todas as sociedades é – de forma ampla - decorrente da própria insegurança e insensatez humana ao alimentar pensamentos inflexíveis, dominados por paixões que fecham – indivíduos e grupos – para o diálogo, para o múltiplo e, ainda, para a possibilidade de autoengano.

O fanático é alguém que “acordou o seu profeta interno” e está convencido de ter encontrado a única verdade, por isso, não aceita contra-argumentos. Mesmo quando outras “verdades” – diferentes da sua – se revelam por meio de evidências claras e perceptíveis, ele se mantém irredutível. Existe uma identidade a ser preservada e defendida. Uma identidade que vincula o sujeito a um time de futebol, a um partido político, a uma religião ou a uma ideologia específica. O acirramento dessas identidades produz comportamentos intolerantes e, não raras vezes, agressivos.

Nos dias atuais, “os fiéis” partidários das políticas conservadoras, de governos populistas, abdicam da sensatez, defendendo seus ícones sagrados com esmero e, se necessário, com destempero. Tudo em nome daquilo que parece ser a "defesa da moral e da família". As redes sociais despertaram o profeta interno dos ”indivíduos normais”, ou das “pessoas de bem”. Assim, as comunidades virtuais passaram a constituir palcos de debates acalorados sobre qualquer assunto. O sujeito, sujeitado pela suposta comodidade de expressão, sente-se mais livre para exaltar suas verdades, nem sempre verdadeiras.

Nesse sentido, não parece razoável, em nome de ideologias políticas, que espíritas apoiem ou defendam governos cujos discursos e práticas adotem comportamentos misóginos, homofóbicos, machistas, intolerantes e racistas. Tais posturas conspiram não somente contra os valores mais nobres construídos pela humanidade, mas, também, contra o que podemos denominar de “humanismo espírita”. [2] Sob o argumento de estarem defendendo governos “honestos”, que (supostamente) combatem a corrupção e defendem uma moral “tradicional”, pendem para o perigoso caminho da intolerância, do conservadorismo e do fanatismo.

A radicalização das posturas políticas, nos últimos anos, vem desvelando, também no meio espírita, posicionamentos anti-humanistas. Deolindo Amorim (1908-1984), eminente pensador espírita, escreveu que: “A Doutrina Espírita não está à margem da vida social. Se (...) o que se entende, hoje, por humanismo é o interesse pelo homem [ser humano], é a preservação de sua dignidade, é o aprimoramento das instituições sociais, a Doutrina Espírita é humanista, sem tirar nem pôr.” [3] É, não apenas humanista, mas progressista e livre-pensadora. Logo, o espiritismo poderia ser um valioso antídoto contra o fanatismo, decorrente das paixões humanas. Poderia!

Como então imaginar que certos espíritas possam defender governantes que, sabidamente, praticam a necropolítica? Que conspiram contra a ciência e o progresso? Que expressam discursos discriminatórios? Que insuflam mentiras e ódios? Que defendem crenças medievais? Que são, explicitamente, contra vacinas, em tempos de pandemia? Entre tantas outras absurdidades?

Evidentemente, não devemos desumanizar o humano, muito menos desnaturalizar o espírita, situando-o no plano da perfeição moral. Mas, deveria subsistir nesse contexto, minimamente, o princípio kardequiano da coerência, do bom senso, da humanização e da racionalidade. Abdicar desses valores, mesmo para quem não é espírita, é correr o risco de ser tragado pelas paixões, pelo fanatismo e, portanto, pela insensibilidade. A rigor, os “espíritas conservadores”, apaixonados por mitos e por suas verdades, nutrindo por vezes pensamentos inflexíveis, estão contribuindo para manter e perpetuar os velhos dilemas sociais. Mais do que “fazer caridade”, é preciso defender justiça social, respeito às diversidades e às minorias, na perspectiva de construirmos uma sociedade mais lúcida, fraterna, verdadeiramente inclusiva e humanitária. Não são esses, também, os objetivos do Espiritismo?
Notas
[1] PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi. Faces do fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004. p.109.
[2] Sobre o assunto, sugiro o excelente livro: LARA, Eugenio. Breve Ensaio sobre o Humanismo Espírita. Santos-SP: CPDoc.,2012.
[3] AMORIM, Deolindo. Ideias e Reminiscências Espíritas. 1ª ed. Juiz de Fora-MG: Ed. Instituto Maria, 1980. p.83.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Artigo "Um salve aos Espíritas Progressistas e vida longa aos Coletivos Espíritas Progressistas" - Por Alexandre Júnior

 


Por Alexandre Júnior - Pedagogo, Pós-graduado em Gestão Educacional e Coordenação Pedagógica. Escritor. Pesquisador de Gênero, Sexualidades e Espiritualidades.  Coordenador do Ágora Espírita.

Pensando o momento sociopolítico que vivemos, e a aproximação evidente do movimento espírita brasileiro com o conservadorismo extremo, este mesmo conservadorismo que dá vida e voz ao Governo Federal que com suas políticas neoliberais vem demarcando suas práticas com Aporofobia e Necropolítica. Assusta-nos demasiadamente, quando vemos protagonistas deste movimento espírita conservador defenderem publicamente o atual presidente e as ações neoliberais e capitalistas que são as suas marcas registradas.

Não encontramos a possibilidade de coadunarmos: Capitalismo, Necropolítica, Aporofobia, Racismo, LGBTQIAP+fobia, Sexismo, Femínicídio, Misoginia, Xenofobia, Desmatamento Florestal, Invasão de Terras Indígenas, Política Armamentista, com amor ao próximo, em que pese, alguns conceitos enviesados sejam utilizados para produzir a já tão conhecida do referido movimento, Pedagogia do Medo e da Culpa, antes alimentada apenas pela obsessão, pelos obsessores e pelo famigerado umbral, hoje amplia-se esta relação causal dos pavores acrescentando o maldito progressismo e o não menos satânico “Comunismo.”

Segundo algumas pessoas o objetivo maior deste Movimento Progressista é conduzir àqueles que forem tocados por seus seguidores obsidiados e com as suas atuais encarnações em derrocada ao umbral, além é claro, de trazer perturbação ao movimento hegemônico onde reina a absoluta paz divina.

Diz o poeta que: “Paz sem voz, não é paz é medo.”

Portanto, precisamos compreender o preço desta suposta paz, que consiste em invisibilizar vidas, pessoas, intimidades, silenciar os que pensam diferente sob pena de cancelamentos.  Se o Espiritismo não for capaz de dialogar com as minorias sociais e oferecer-lhes acolhimento, afeto, amor, compreensão, amparo, e oportunidade de engajamento significa dizer que colocamos a doutrina acima das pessoas, e assim sendo, precisamos repensar de que valem os espaços espíritas.

Acusam-nos de enquanto Espíritas Progressistas: democratizarmos o conhecimento espiritista, de discutirmos as minorias sociais com elas e não para elas, de darmos voz aos excluídos, resgatarmos os autores clássicos do Espiritismo, de dialogarmos com as ciências humanas para podermos criar justiça na nossa escrita e na nossa fala, oferecendo aos protagonistas silenciados a oportunidade de eles próprios falarem e escreverem as suas Histórias, as suas vivências, dores e conquistas, tirando-os de debaixo do tapete como tem sido feito desde o século XIX. Chamam a isso de “comunismo”!

Sendo assim, precisamos manter acesa está chama que arde no Brasil chamada Movimento Espírita Progressista que foi trabalhada por mentes libertas de dogmas e livres pensadoras e pensadores, que deram a oportunidade aos coletivos Espíritas de encontrarem algum respaldo para a construção de suas práticas, e respeito aos seus legados.

Um salve a Allan Kardec, Léon Denis, José Herculano Pires, Deolindo Amorim, Humberto Mariotti, Manuel Porteiro, Wilson Garcia, Dora Incontri, Sérgio Aleixo, Célia Arribas, Sinuê Miguel e Ana Cláudia Laurindo.

Vida longa a CEPA – Associação Espírita Internacional; CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita; o Ágora Espírita; Coletivo Girassóis - Espíritas Pelo Bem Comum; Instituto de Filosofia Espírita Herculano Pires - IFEHP; ABREPAZ – Associação Brasileira Espírita de Direitos Humanos e Cultura de Paz; CEJUS – Coletivo de Estudos Espiritismo e Justiça Social; Coletivo Espírita pela Transformação Social; Coletivo Espírita Maria Felipa e Espíritas à Esquerda.

Partindo da premissa de que não se precisa de chancela de nenhuma personalidade ou ente federativo para praticarmos, pensarmos e\ou dialogarmos com o Espiritismo, as mentes Progressistas e livres pensadoras promovem a possibilidade de uma alternativa ao que até o presente se encontra exposto como única corrente pensadora espírita, de forma hegemônica e reprodutora de conteúdo.

Dialogar com as ciências humanas com honestidade intelectual é robustecer a doutrina espírita, equipando-a de recursos capazes de munir seus adeptos a se relacionarem com as questões sociais de seu tempo e não serem apenas contempladores do plano-Terra à espera de viverem uma vida de ócio nas colônias espirituais que não foram pensadas para as minorias sociais e para os menos abastados.

Tomando como referência a frase popular: “Tal vida, tal morte,” se as referidas colônias forem o retrato daquilo que nos diz o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, senso 2010. Sendo as colônias espirituais aquilo que é o movimento espírita hegemônico, ou seja, branco, hétero e classe média, podemos concluir que não há espaço para as outras categorias e há lutas de classe até para se ter acesso aos “céus Espíritas”, isso não podemos negar.

O que nos leva a crer que a democratização da espiritualidade tem levado incomodo a uma parcela dos espíritas hegemônicos, que seguindo a frase já citada: “Tal vida, tal morte,” desejam levar os seus privilégios para o mundo espiritual, como na Terra não visam compartilhar aeroporto com determinadas classes sociais, no “céu” não visam partilhar “aeróbus e colônia espiritual”.

O Movimento Espírita Progressista se fortaleceu e parece mesmo que continuará sua trajetória de luta para a produção de conhecimentos e saberes que se deem na troca e na partilha, produzidos por livres pensadoras e pensadores, nunca por força da imposição dogmática, da opressão oficial, do cancelamento ou da negação ao diálogo com diferentes.

Sigamos firmes cientes de que não há, principalmente nos dias atuais, uma única vertente, ou um único caminho a ser seguido, bom, que possamos dizer que não se trata de estarmos ou não com a razão, mas, de termos o direito de professarmos os nossos pensamentos com todas, todos e todes àquelas pessoas que desejarem, o que faz o Movimento Espírita Progressista plural e diverso, aumentando ainda mais as suas formas e áreas de atuação.

Por isso: Um Salve aos Espíritas Progressistas e vida longa aos coletivos Espíritas Progressistas.

 

Referência Bibliográfica

Música Paz sem voz é medo. Compositores: Alexandre Monte De Menezes / Lauro Jose De Farias / Marcelo De Campos Lobato / Marcelo Falcão Custodio / Marcelo Fontes Do Nascimento Vi Santana