domingo, 21 de março de 2021

Na pátria do racismo, os espíritas amam as florestas - Por Lindemberg Castro

 


Por Lindemberg Castro - Coordenador do Instituto de Filosofia Espírita Herculano Pires
lindembergsousac@gmail.com

Neste dia 21 de Março, é o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, um dia alusivo, um novo convite a repensarmos as nossas práticas cotidianas, as nossas relações e os nossos preconceitos estruturais. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas, para lembrar as vítimas que sucumbiram ou se feriram em um protesto no dia 21 de Março de 1960, em Johanesburgo, na África do Sul. O protesto seguia pacífico, um protesto legítimo contra a delimitação de circulação da população negra; mas, em se tratando do regime repressor em pleno Apartheid, em vigor no país desde 1948, a polícia abriu fogo contra a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186.

Hoje também é a data internacional alusiva à importância das Florestas para a biodiversidade no mundo e para a manutenção da vida, instituída também pela ONU, em 2012.

Daí você pode estar se perguntando o motivo de estarmos aproximando essas duas datas em um mesmo texto; apesar da consciência das datas, poderiam ser temas completamente distantes de se traçar qualquer paralelo. Mas, com os experimentos sociais que as redes nos permitem atualmente, é possível perceber que, para parte do Movimento Espírita Brasileiro em seus setores mais conservadores, aparentemente o Dia Internacional das Florestas é importante e necessário, enquanto o Dia Internacional contra a Discriminação Racial se configura como algo sem importância, porque afinal, “somos todos seres humanos”.

Em postagens que hoje foram veiculadas na página oficial da Federação Espírita Brasileira, no facebook, a instituição faz alusão à importância das duas datas, inclusive, na postagem sobre a luta contra a discriminação racial, cita a seguinte passagem do Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec (2009): “prescreve o respeito aos direitos de cada um, como cada um deseja que se respeitem os seus”; esse trecho nada mais é do que a reafirmação dos ensinamentos de Jesus, que nos orientou a desejar e fazer para os outros o mesmo que desejamos e fazermos para nós mesmos. É um princípio de amor e de fraternidade!

Contudo, parece que para alguns espíritas, qualquer perspectiva de amor e de fraternidade não se relaciona com a sua visão de mundo, criando um sistema alienante em que os ensinamentos espíritas são apenas teóricos e de aplicabilidade puramente individualista, e não possuem qualquer relação com práticas transformadoras no mundo. Basta passar o olhar nos comentários das duas postagens, para perceber que parte do movimento espírita não consegue dialogar com a realidade puramente humana, simplesmente não consegue aplicar ao mundo uma visão espírita da realidade.

Na postagem sobre a luta contra a discriminação racial, vemos de tudo, discursos moralistas, frases generalistas de que “somos todos humanos” ou que “todas as vidas importam”, vemos também algumas pessoas afirmando que a FEB está fugindo do “foco” ao fazer uma postagem com esse conteúdo, ou ainda, encontramos gente afirmando que esse tipo de data “comemorativa” reforça o racismo. Em contraposição a tantos pensamentos enviesados, na postagem sobre o dia internacional das florestas, todos os comentários são a favor da preservação das florestas; não há nenhum comentário do tipo: “montanhas também importam”, ou “somos todos Natureza”.

Ou seja, aparentemente, para alguns espíritas, as diversidades humanas não merecem respeito senão a partir de algumas diversidades apenas, e qualquer tentativa de retirar da invisibilidade temas importantes para grupos historicamente excluídos, é automaticamente alçado à categoria de heresia, como se o próprio Espiritismo não fosse uma filosofia preocupada com TODAS as questões sociais, com TODAS as diversidades humanas.

O racismo expresso nos comentários da postagem a que nos referimos acima, e em outros momentos, como na postagem em alusão ao Dia da Consciência Negra de 2020, feita pela própria FEB, nos coloca uma triste realidade acerca de parte do movimento espírita: há racismo escancarado em nome de ideologias excludentes, defendido por espíritas que, apesar de se dizerem cristãos, não conseguem aplicar ao mundo os preceitos básicos de fraternidade, de empatia, de acolher o outro a partir de seus desafios existenciais.

Há espíritas que se comportam como se no mundo não existissem desigualdades, preconceitos, injustiças, e demais problemáticas que atingem diretamente aos espíritos encarnados, e que, portanto, deveriam ser alvo da preocupação também dos espíritas, uma vez que Kardec deixou claro que a transformação da realidade não se dará somente pelo progresso pessoal impresso na tão famosa “reforma íntima”.

Kardec (2001), em “A Gênese”, deixa muito claro o objetivo principal da reencarnação frente aos processos transformadores no mundo,

Com a reencarnação, caem os preconceitos de raça e de casta, de vez que o mesmo Espírito pode renascer rico ou pobre, grão-senhor ou proletário, patrão ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravatura, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que saliente, pela lógica, o fato material da reencarnação. Portanto, se a reencarnação funda sobre uma lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, ela fundamenta sobre a mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade (p. 25).

 Ou seja, Kardec deixa claro que sem igualdade de direitos sociais, e sem a liberdade inerente a esses direitos, não há como pensarmos em progresso; Kardec fala de uma fraternidade universal, que, somente pode ser construída se tivermos “olhos para ver” o mundo com as suas contradições, e trabalharmos firmemente por um mundo melhor, mais justo, mais acolhedor e mais amoroso. Herculano Pires, Humberto Mariotti e Deolindo Amorim reforçaram o pensamento de Kardec quando nos afirmaram que ao lado da transformação pessoal é preciso ajuntar a transformação social, uma vez que as desigualdades são estruturais, são milenares, e não vão acabar como em um passe de mágica.

Herculano Pires (1969) foi um dos pensadores que sempre denunciaram os aspectos alienantes do movimento espírita em não dialogar com a realidade, e nem com seu tempo histórico e social. Ele chama o movimento espírita de misoneísta, ou seja, avesso a qualquer transformação profunda da realidade. E acrescenta:

Os espíritas que temem os problemas sociais e políticos, (...) são misoneístas extraviados no seio de um movimento espiritual renovador do mundo. Mas a participação espírita não é partidária, nem é política no sentido comum do termo. A revolução espírita não é um ato de violência, nem pode aceitar a violência, que é a negação do princípio de fraternidade, um crime contra o amor. Só a consciência da responsabilidade doutrinária, que resulta do conhecimento e da vivência da doutrina espírita, arma o homem para enfrentar a nova perspectiva política e revolucionária do espiritismo” (p. 15).

 Humberto Mariotti (1969) nos afirma que, “a ação solidária é transformadora dos sentimentos, e os sentimentos são transformadores da realidade social”; mas, aparentemente o movimento espírita está longe de compreender a segunda parte dessa reflexão, que diz respeito à transformação da realidade social. Ou seja, a frase pomposa e generalista que diz “somos todos espíritos, somos todos seres humanos”, poderia ser facilmente substituída por “somos todos misoneístas, odiamos mudanças estruturais”.

Diante desse quadro, é importante nos perguntar sobre os motivos que conduziram o movimento espírita em sua ala mais conservadora, a um discurso de neutralidade político-social, que simplesmente invisibiliza as vidas das pessoas, que simplesmente coloca na conta das leis de causalidade toda a explica das desigualdades, mesmo que em “O Livro dos Espíritos” haja a análise clara de que as desigualdades sociais foram criadas pelos espíritos encarnados, e estes é que precisam modifica-las.

Sinuê Miguel (2020) aponta algumas possibilidades para explicar a postura alienante da realidade social por parte do movimento espírita: discurso de neutralidade política, mas que na prática beneficia os sistemas de opressão vigentes, negação do pensamento social espírita por conta do perfil ideológico dos espíritas enquanto pertencentes à classe média, e a negação de qualquer relação entre Espiritismo e Socialismo, embora pensadores do quilate de Leon Denis, Herculano Pires e Humberto Mariotti, tenham produzido vasto material sobre essa relação.

Célia Arribas (2019) inclui ainda outras questões importantes, além das citadas acima por Miguel, incluindo outros recortes que explicam a alienação do movimento espírita para as realidades sociais:

O espiritismo, que poderia ser, pelos seus princípios, protagonista na promoção da igualdade, da fraternidade e da justiça social, se limitou, por conta de uma visão paralisante, confortável e conformista de mundo, que está na origem social dos espíritas – provenientes em sua grande maioria da classe média branca, escolarizada e heterossexual –, a uma explicação reencarnacionista da meritocracia, das desigualdades sociais (se há miseráveis e vulneráveis no mundo, eles e elas nada mais fazem do que “pagar” por seus erros de vidas passadas) e da salvação pela caridade material pontual, de cunho assistencialista, em plena conformidade, portanto, com o pensamento conservador e reacionário.

 Nós espíritas, temos muito trabalho pela frente em relação a todas as questões sociais, e para colaborarmos com o processo de retirar da invisibilidade a questão da luta antirracista, precisamos estudar mais a respeito, e produzirmos: textos, cursos, seminários, artigos, livros, etc., pautando esses temas. Precisamos entender que vivemos no mundo material e precisamos lidar com as questões sociais e históricas do nosso tempo. Alguns espíritas se utilizam de argumentos como “ah, mas somos todos iguais perante Deus”, ou “somos todos Espíritos”; as duas sentenças estão corretas em seu sentido essencial, mas não criam contextos com os processos reencarnatórios.

É na reencarnação que travamos as mais árduas batalhas morais e existenciais, e além das nossas questões individuais para darmos conta, é no mundo material que enfrentamos as injustiças e desigualdades, o preconceito, os processos anticivilizatórios, a necropolítica, e toda sorte de mazelas que, cabe a nós construirmos práticas e discursos que transformem para melhor este mundo. Nenhum conceito espírita serve para secar o nosso coração às dores dos outros, e nem para cruzar os nossos braços frente às desigualdades sociais. A práxis máxima do Espiritismo é o amor, sentimento que precisa ser transformado em ação de amparo, de empatia e de acolhimento a quem sofre; é a FILOSOFIA DA AÇÃO, a que se refere Herculano Pires, no Prólogo do livro de Humberto Mariotti, “O homem e a sociedade numa nova civilização”.

Para finalizarmos esse nosso breve artigo, exercitando as perguntas filosóficas como força motriz de nos questionarmos sobre a realidade, perguntamos: por que, uma data alusiva à discriminação racial incomoda tanto certos espíritas, mas o racismo não incomoda no mesmo nível? Por que parte do movimento espírita trata a luta antirracista como ideologia, mas propaga em alto e bom som, discursos fascistas da necropolítica que hoje governa o Brasil? Por que para parte do movimento espírita, a empatia frente às dores do outro só servem para desenvolver projetos sociais caritativos, mas não para defender vida digna a todos e a todas?

Sejamos todos antirracistas, nos convida Djamila Ribeiro (2019)!

São questões que precisamos pensar sobre elas, expô-las, e à moda como Herculano Pires sempre fez em toda a sua vida, precisamos denunciar essas práticas racistas e preconceituosas que correm a mancheias em setores conservadores do movimento espírita, afinal, o Espiritismo é uma filosofia progressista, e não para no tempo, malgrado o fundamentalismo religioso que impera em parte do movimento.

Ao sermos “nós”, que não invisibilizemos o outro! Se somos todos filhos de Deus, se somos todos espíritos, é preciso compreender que cada um de nós enfrenta toda sorte de desafios na realidade social em virtude das nossas diversidades. Como nos diz Grada Kilomba, precisamos ter o direito de sermos para além do que os outros nos definem, porque somente seremos a partir da coletividade, quando formos a partir da nossa individualidade e da nossa diversidade.

Ninguém deveria morrer de fome ou pela sua diversidade, se somos iguais em espírito, somos diferentes nas diversidades que compõem os nossos aprendizados e nas diversidades com as quais nos projetos na reencarnação. Espíritas, sejamos antirracistas, antilgbtfóbicos, antifascistas, anticapitalistas, anti-preconceitos de toda sorte, para que possamos efetivamente aplicar os ensinamentos do Evangelho, os ensinamentos de Jesus, pois Jesus se estivesse reencarnado hoje, seria tudo isso e muito mais para ajudar esse mundo turbulento a ser um lugar menos hostil para todos nós.

“Pessoas brancas devem se responsabilizar criticamente pelo sistema de opressão que as privilegia historicamente”, nos diz Djamila Ribeiro (2019), e nós acrescentamos ainda que: os espíritas devem se responsabilizar em pensar sobre o mundo e sobre as realidades sociais de forma crítica, percebendo e denunciando os sistemas de opressão vigentes, e atuando, tanto quanto puderem, na mudança de práticas e discursos que colaboram com esses sistemas.

 

REFERÊNCIAS

ARRIBAS, Célia. Espiritismo, Gênero e Política: uma equação tensa. Disponível em: https://revistaescuta.wordpress.com/2018/03/01/espiritismo-genero-e-politica-uma-equacao-tensa/. Acesso em 05 de janeiro de 2021.

 KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Tradução José Herculano Pires. 20º ed. São Paulo: LAKE, 2001.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. 365ª ed. São Paulo: IDE, 2009.

MIGUEL, Sinuê Neckel. Disposições políticas no Espiritismo brasileiro: entre neutralidade conservadora e aspirações socialistas. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/srh/article/view/50928. Acesso em 05 de janeiro de 2021.

 MARIOTTI, Humberto. O homem e a sociedade numa nova civilização. Tradução de J. L. Ovando. São Paulo: EDICEL, 1969.

PIRES, Herculano. Prólogo. In MARIOTTI, Humberto. O homem e a sociedade numa nova civilização. Tradução de J. L. Ovando. São Paulo: EDICEL, 1969.

RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. Tradução Heci Regina Canciani 1º ed. São Paulo: COMPANHIA DAS LETRAS, 2019.


sexta-feira, 19 de março de 2021

Reflexões Espíritas sobre a Sociedade do Cansaço - por Lindemberg Castro

 


Por Lindemberg Castro - Coordenador do IFEHP - lindembergsousac@gmail.com

No início de 2021, o Instituto de Filosofia Espírita Herculano Pires promoveu um curso relacionando temas de Saúde Mental com as obras de Herculano Pires, situando Herculano como um dos grandes pensadores ainda da atualidade, tendo em vista os debates suscitados pela sua vasta produção filosófica. Já no mês de fevereiro, o Centro Espírita Virtual Camilo Castelo Branco, promoveu em sua página no facebook, um bate-papo virtual com o mesmo título desse artigo: “Reflexões espíritas sobre a sociedade do cansaço”, e da qual também participamos; compartilhamos esse bate-papo virtual com os amigos Arivaldo Montalvão e Edson Tobler, a quem agradecemos pelas reflexões complementares que nos encorajaram a escrever esse artigo.

O presente artigo pretende estabelecer algumas relações entre três pensadores, o nosso filósofo espírita Herculano Pires, o filósofo sul coreano Byung-Chul Han, e a psicanalista brasileira Maria Rita Khel; três pensadores necessários para compreendermos os desafios do mundo para os espíritos reencarnados, que tem que lidar com as questões históricas e sociais próprias do seu tempo. Indicamos aos nossos leitores, caso queiram aprofundar-se, utilizamos como principais referências os livros Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han, Ressentimento, de Maria Rita Khel, e O Espírito e o Tempo e também Educação para a Morte, de Herculano Pires. É um artigo breve, que merecerá outros desdobramentos em momento oportuno, portanto, apresentamos aqui algumas questões iniciais para a reflexão dos leitores e leitoras.

Sociedade do cansaço é um livro curto – numa época de velocidade da informação e do esgotamento, trata-se de uma forma precisa de transmitir para o público leitor o aspecto tenebroso da valorização de indivíduos inquietos e hiperativos que se arrastam no cotidiano produtivo realizando múltiplas tarefas, ao mesmo tempo em que adoecem psiquicamente. Publicado originalmente em língua alemã, Sociedade do cansaço foi traduzido para o português em 2015 e ampliado na segunda edição em 2017 com dois textos anexos esclarecedores: “Sociedade do esgotamento” e “Tempo de celebração: a festa numa época sem celebração”.

No livro, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor de filosofia e estudos culturais da Universidade de Berlim, parte de uma constatação relativamente comum para o problema das relações entre sociedade e sofrimento psíquico: cada época tem suas enfermidades. Dado que os sofrimentos psíquicos são compreendidos nos dias atuais, sobretudo como desvios neuroquímicos, para ele a nossa época se configura como uma “violência neuronal” como consequência da sociedade adoecida sobretudo pelo capitalismo e suas diversas formas de opressão.

O termo “sociedade do cansaço” também se refere a sofrimentos psíquicos como síndrome de burnout , transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e depressão, que são apreendidos pela compreensão do autor em sua relação direta com o modo operatório do capitalismo contemporâneo. Ou seja, os indivíduos são convidados e estimulados a se explorarem e a explorarem os outros, e consideram que isso seja algum tipo de autorrealização, em processos que fetichizam a vida humana e o próprio indivíduo. Podemos dizer que o aprofundamento das contradições capitalistas coincide com o aprofundamento do adoecimento psíquico humano, sobretudo a partir do século XX, fazendo disparar as taxas de suicídio e depressão, por exemplo.

Em Educação para a Morte, Herculano Pires (2016) nos diz que as injustiças brutais da estrutura social nos pesam e nos adoecem, despertando em nós os impulsos da morte como a violência e o suicídio. Por outro lado, e como contradição da própria estrutura capitalista, “nosso anseio de transcendência é apenas horizontal, voltado sistematicamente para a conquista de prestígio social, dinheiro e poder temporal”. Todo esse desgaste nos leva ao esgotamento psíquico e a processos de ressentimento e frustração (para utilizarmos um conceito da psicanalista Júlia Kristeva) que reverberam simultaneamente na estrutura social e nos indivíduos em particular. O ressentimento, categoria de análise trazida por Maria Rita Khel, pode nos ajudar a compreender a própria dinâmica de adoecimento psíquico pelo qual passamos, e como isso se transforma em processos maiores que atingem a própria sociedade.

O ressentimento não é um conceito originário da Psicanálise, esse é um ponto importante; com exceção de Nietzsche, na filosofia, não houve em outras áreas autores que se dedicaram a esse assunto. O mais próximo disso na Filosofia diz respeito às Filosofias da Existência, que trouxeram à baila conceitos como frustração (Sartre), melancolia (Camus e Kierkegaard), angústia (Kierkegaard), relação entre o universal e o específico (Simone de Beauvoir, a respeito do feminismo), etc.

Para Maria Rita Khel, a atualidade do ressentimento enquanto tema, além de clínica, é política, e, portanto, social, e interfere diretamente na vida como um todo; espiritamente falando, a sua análise também compreende as consequências das questões sociais para os espíritos encarnados, envoltos em uma superestrutura de desigualdade e egoísmo. Além disso, ela nos diz:

O ressentimento é uma constelação afetiva que serve aos conflitos característicos do homem contemporâneo, entre as exigências e as configurações imaginárias próprias do individualismo e os mecanismos de defesa do eu a serviço do narcisismo. A lógica do ressentimento privilegia o indivíduo em detrimento do sujeito e contribui para sustentar nele uma integridade narcísica que independe do sucesso de seus empreendimentos (2020, p. 09).

Privilegiando o indivíduo em sua estrutura narcísica, e não os processos subjetivos próprios do ser humano, o ressentimento desumaniza as pessoas e os sujeitos ao seu redor, estes passam a ser considerados responsáveis pelo que fazem aqueles sofrerem, é uma compensação, uma barganha. No nível macro da sociedade, o ressentimento pode ser direcionado a grupos sociais diversos, que passam a ser considerados como inimigos, culpados por algum tipo de desordem social, e logo, precisam ser combatidos. Sobre esse ponto, recomendamos aos leitores a palestra da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, como título “O perigo de uma única história”, em que ela explica como esse processo também pode ser utilizado para a instalação de sistemas de exceção como o nazismo e a escravização.

Maria Rita Khel, ao se referir ao Brasil em específico, analisa que o ressentimento presente em nosso país é canalizado não para quem causa a verdadeira desordem social, como militares e sua ditadura, políticos corruptos, etc.; na verdade, o ressentimento social é direcionado a grupos sociais historicamente explorados ou que lutam por uma sociedade melhor e mais justa; é assim que um benemérito como o padre Júlio Lancelotti, por exemplo, causa tanto ódio por parte dos ressentidos. Se Gramsci odeia os indiferentes, os ressentidos tomam partido contra os que lutam por uma sociedade mais justa, pois estes causam desordem na ordem estabelecida. Ao mesmo tempo, Khel nos afirma que outras formas de compensação do ressentimento social brasileiro, são: 1) estar envolvido com política, mas não com transformação social, 2) práticas religiosas que não dialogam com a sociedade a não ser para direcionar seu fundamentalismo (podemos incluir aqui parte do movimento espírita), 3) cultura de massas, 4) figuras simbólicas que reafirmem o brasileiro como cordial e acolhedor; tudo isso funciona como formas de suavizar o ressentimento, ao mesmo tempo que invisibiliza todas as lutas sociais.

Em diálogo com Khel, podemos citar a passagem escrita por Herculano Pires (2005), em “O Espírito e o Tempo”, que também elenca uma descrição bastante verossímil sobre a situação atual do Brasil, mergulhado em pleno governo de práticas necropolíticas:

Os regimes totalitários fizeram uma inversão curiosa e trágica do processo de desenvolvimento cultural. Transformaram seus líderes em novos deuses, de um fanatismo brutal, em que o sentimento de humanidade foi revertido em ferocidade selvagem. As religiões da violência cevaram as massas de medo ao sobrenatural. Aos arbitrários poderes divinos e às prerrogativas sagradas da hierarquia clerical (p. 220).

Essa passagem escrita por Herculano Pires vem ao encontro de um Brasil ressentido, tomado pela necropolítica com amplo apoio dos setores conservadores e poderosos, que, em verdadeiro conluio sinistro contra o seu próprio povo, tem fomentado morte, miséria e adoecimento psíquico em plena Pandemia. As religiões da morte, como afirma Herculano, representadas aqui também pelo milhões de espíritas que votaram em um candidato que contradiz tudo o que professam, tornaram-se parceiras desse macabro projeto de asfixiar a população, com a licença nada poética da representação da divindade, mas que na verdade reproduzem simplesmente o que há de pior do fascismo tupiniquim.

Todo esse cenário em que estamos vivendo, confunde o Espírito encarnado, que, além das suas próprias questões internas para lidar, também precisa lidar com as contradições da sociedade, que incidirão sobre ele de forma mais ou menos aprofundada. No sistema capitalista, que, alinhado a outros dois sistemas de opressão principais - como nos diz Angela Davis, o machismo e o racismo, essas contradições são levadas ao extremo, de modo que a sociedade do cansaço é resultante do ser humano transformado em fetiche produtivista no sentido capitalista, e reprodutivista no sentido de reproduzir a estrutura desigual maior; sem o paradigma do espírito para lhe ofertar um contraponto, e ainda tendo que carregar consigo o ressentimento que pode ter sua fonte nas imperfeições do espírito ou como resultado das desigualdades sociais.

Em todas essas situações há um processo de desumanização dos sujeitos, que não são considerados como seres humanos a priori, mas passam a depender da fetichização e da colaboração com os sistemas opressivos para serem minimamente considerados humanos, mas jamais iguais aos que detém o poder majoritário. Todo esse processo sufoca o espírito encarnado, sequer considerado e valorizado, como resultado do materialismo presente na estrutura da desigualdade.

Parece uma visão distópica sobre um livro de George Orwell, contudo, as questões básicas da reflexão filosófica ainda permanecem em nossos dias: a questão do humanismo e da filosofia social e política; foi nesse cenário que Herculano Pires desenvolveu boa parte das suas obras, inclusive tentando trazer elementos filosóficos mais otimistas para fazerem frente ao pessimismo existencialista que marcou o século XX, foi assim que Herculano escreveu obras como “O Ser e a Serenidade”, “O Sentido da Vida” e “O Espírito e o Tempo”, sendo claras respostas a obras de Sartre, Heidegger, Kierkegaard, etc.

As contradições sociais que elencamos até aqui também nos ajudam a perceber que a estrutura social é complexa, tanto na sua organização como nos seus efeitos que retornam aos próprios sujeitos em diferentes formas de impacto nas suas vidas. Essa complexidade demostra que a estrutura social não obedece a imperativos das leis de causalidade que o Espiritismo nos apresenta, mas antes, são frutos das ações dos próprios seres humanos, pautados em sistemas de opressão seculares e estruturais, e contra os quais a vida moral individual nada pode, necessitando de nossa parte, uma atuação coletiva de transformação social mais ampla. Conforme nos explica o Espiritismo, em “O Livro dos Espíritos” (2016), a afirmação de que as desigualdades sociais são criadas pelo próprio ser humano (item 806 e seguintes), portanto, não são criadas como imperativos das leis de causalidade.

Em “A Gênese”, Kardec (2001) vai ainda mais longe, e determina a natureza que a missão da reencarnação possui, para o progresso e a transformação das realidades:

Com a reencarnação, caem os preconceitos de raça e de casta, de vez que o mesmo Espírito pode renascer rico ou pobre, grão-senhor ou proletário, patrão ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravatura, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que saliente, pela lógica, o fato material da reencarnação. Portanto, se a reencarnação funda sobre uma lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, ela fundamenta sobre a mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade (p. 25).

Sobre esse cenário desafiador da existência no mundo material, Herculano Pires nos diz:

A existência, em que o homem se afirma pela dignidade da consciência, pelo esforço constante de superação de si mesmo, foi trocada em miúdos, em níqueis inflacionados, pelo viver larvar do dia a dia rotineiro e da subserviência ao desvalor dos que conquistaram os postos de comando na sociedade aviltada. Inteligências robustas e promissoras esvaziam-se na consumação de si mesmas, servindo de maneira humilhante a senhores ocasionais, que podem assegurar-lhes o falso prestígio de salários altos e posições invejadas pela corja rastejante. (...) Os sonhos do antigo humanismo foram simples delírios de pensadores esquizofrênicos. A ordem geral, que todos aceitam, é viver para si mesmo e mais ninguém (2016, p. 64-65).

Por essas reflexões de Herculano, vemos que o individualismo, imperfeição nossa que deriva do orgulho e do egoísmo, tem a habilidade de se manifestar de diferentes formas na existência material, alimentando por vezes ilusões sobre nós mesmos e sobre a estrutura social; nos aviltamos para sermos encaixados no mundo, mesmo que o encaixe seja desproporcional e possa nos levar a condições de meros expectadores da desigualdade estrutural ou pior, reprodutores que colaboram com a desigualdade. A sociedade do cansaço precisa do individualismo para que possa funcionar a contento, pois é ele quem estimula o indivíduo a se auto-explorar e a explorar seu semelhante.

Yes, we can – o slogan utilizado pelo presidente estadunidense Barack Obama – expressa com precisão o excesso de positividade da sociedade do desempenho (HAN, 2017, p. 24). No lugar do enunciado disciplinar coercitivo “tu deves”, imposto de fora, entra em cena o novo enunciado “nós podemos”, o qual, em sua essência, remete a uma falsa liberdade ao impor aos indivíduos o imperativo da realização, da mobilidade, da velocidade e da superação constantes, transformando qualquer coisa diferente disso em culpa, medo, autoflagelo, etc.

Sobre essa questão do imperativo individualista camuflado no “nós podemos”, Byung-Chul Han nos diz que tudo reside na falsa liberdade e no processo destrutivo contido nesta transformação contemporânea que vivenciamos a partir do capitalismo. O filme Cisne Negro , de Aronofsky (2010), pode evidenciar sua tese. Neste thriller psicológico, a imposição da performance e do desempenho mediante a autossuperação é incorporada pela protagonista e levada às suas últimas consequências. A autodestruição da bailarina – que figura aqui apenas como metáfora do desempenho profissional e social – nada mais é senão a perseguição obstinada do enunciado “tu podes”. Em que pesem os efeitos destrutivos, o filme parece ratificar a constatação de Byung-Chul Han de que “[a] positividade do poder é mais eficiente que a negatividade do dever” (p. 25). Ou seja, a autossuperação postulada em yes, we can é capaz de extrair toda a potência e eficácia insuspeitas ao próprio sujeito, ainda que o custo da autossuperação possa ser a autossupressão, e o consequente adoecimento psíquico ou somático em forma de variadas doenças.

O capitalismo entretém o individualismo baseado no consumo e na produção excessiva da exploração do indivíduo pelo indivíduo, o machismo fortalece o individualismo da suposta supremacia do homem sobre a mulher e sobre os gêneros e as sexualidades considerados dissidentes, como as pessoas LGBTs, e o racismo entretém o individualismo pautado na diferenciação do outro pela sua cor de pele ou pela sua cultura, como se os Espíritos não reencarnassem em corpos e experiências diversas, como se não fosse da natureza da própria reencarnação, a diversidade de experiências; a natureza da reencarnação é a diversidade expressa na multiplicidade das vivências e habilidades humanas, e somente o nosso apego ao exterior é capaz de nos fazer crer em superioridade corporal ou cultural, qualquer que seja.

Como considerar que toda a estrutura de desigualdade descrita acima, não afeta em cheio a vida dos espíritos encarnados? Como considerar que apenas a chamada “reforma íntima” é suficiente para transformar a realidade? Como atribuir às leis de causalidade a responsabilidade frente às desigualdades criadas e fomentadas pelo próprio ser humano? A essas e outras questões, voltaremos a posteriori, em novo artigo que dará continuidade às reflexões introdutórias que elencamos até aqui.

Aos nossos leitores, agradecemos pelo exercício da leitura filosófica voltada para reflexões espíritas.

REFERÊNCIAS

HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 1ª ed. Petrópolis: VOZES, 2015.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de José Herculano Pires. 1ª ed. São Paulo: EDICEL, 2016.

KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Tradução de Victor Tollendal Pacheco. 20ª ed. São Paulo: LAKE, 2001.

KEHL, Maria Rita. Ressentimento. 3ª ed. São Paulo: Boitempo, 2020.

PIRES, Herculano. O Espírito e o Tempo. 9ª ed. São Paulo: PAIDEIA, 2005.

PIRES, Herculano. Educação para a Morte. 1ª ed. São Paulo: PAIDEIA, 2016.


quarta-feira, 17 de março de 2021

Uma tomada de consciência - por Herculano Pires

 


O apego ao contingente, ao imediato, apaga na consciência dos nossos dias o senso da responsabilidade espiritual. Nem mesmo a ronda constante da morte consegue arrancar o homem atual da embriaguez do presente. O problema do espírito e da imortalidade só se aviva quando ligado diretamente a questões de interesse pessoal. O católico, o protestante, o espírita se equivalem nesse sentido. Todos buscam os caminhos do espírito para a solução de questões imediatistas ou para garantirem a si mesmos uma situação melhor depois da morte.

A maioria absoluta dos espiritualistas está sempre disposta a investir (este é o termo exato) em obras assistenciais, mas revela o maior desinteresse pelas obras culturais. Apegam-se os religiosos de todos os matizes à tábua de salvação da caridade material, aplicando grandes doações em hospitais, orfanatos e creches, mas esquecendo-se dos interesses básicos da cultura. Garantem os juros da caridade no após-morte, mas contraem pesadas dívidas no tocante à divulgação, sustentação e defesa de princípios fundamentais da renovação da cultura planetária.

A imprensa, a literatura, o ensaio, o estudo, a fixação das linhas mestras da nova cultura terrena ficam ao deus-dará. Falta uma tomada de consciência, particularmente no meio espírita, da responsabilidade de todos na construção e na elaboração da Nova Era, que é trabalho dos homens na Terra. Ninguém ou quase ninguém compreende que sem uma estruturação cultural elevada, sem estudos aprofundados no plano cultural, que revelem as novas dimensões do mundo e do homem na perspectiva espírita, o espiritismo não passará de uma seita religiosa de fundo egoísta, buscando a salvação pessoal de seus adeptos, precisamente aquilo que Kardec lutou para evitar.

A finalidade do espiritismo, como Kardec acentuou, não é a salvação individual, mas a transformação total do mundo, num vasto processo de redenção coletiva. Proporcionar aos jovens uma formação cultural apoiada na mais positiva e completa base espiritual, que mostre a insensatez das concepções materialistas e pragmatistas, dando-lhes a firmeza necessária na sustentação e defesa dos princípios doutrinários, não é só caridade, mas também realização efetiva dos objetivos superiores do espiritismo nesta fase de transição. Sem esse trabalho não poderemos avançar com segurança e eficácia na direção da Era do Espírito. Temos de dar às novas gerações a possibilidade de afirmarem, diante do desenvolvimento das ciências e do avanço geral da cultura, como disse Denis Bradley: “Eu não creio, eu sei!” Porque é pelo saber, e não pela crença, pela fé racional e não pela fé cega, pelo conhecimento e não pelas teorias indemonstráveis, que o espiritismo, como revelação espiritual, terá de modelar a nova realidade terrena, apoiado na confirmação científica, pela pesquisa, dos seus postulados fundamentais. A revelação humana confirma e comprova a revelação divina.

Esse é o problema que ninguém parece compreender. Todos sonham com o momento em que a ciência deverá proclamar a realidade do espírito. Mas essa proclamação jamais será feita, se a ciência espírita não atingir a maioridade, não se confirmar por si mesma, podendo enfrentar virilmente, no plano da inteligência e da cultura, a visão materialista do mundo e a concepção materialista do homem. Por isso precisamos de universidades espíritas, de institutos de cultura espírita dotados de recursos para uma produção cultural digna de respeito, de laboratórios de pesquisa psíquica estruturados com aparelhagem eficiente e orientados por metodologia segura, planejada e testada por especialistas de verdade, capazes de dominar o seu campo de trabalho e de enfrentar com provas irrefutáveis os sofismas dos negadores sistemáticos. É uma batalha que se trava, o bom combate de que falava o apóstolo Paulo, agora desenvolvido com todos os recursos da tecnologia.

Chega de pieguice religiosa, de palestras sem fim sobre a fraternidade impossível no meio de lobos vestidos de ovelhas. Chega de caridade interesseira, de imprensa condicionada à crença simplória, de falações emotivas que não passam de formas de chantagem emocional. Precisamos da Religião viril que remodela o homem e o mundo na base da verdade comprovada. Da caridade real que não se traduz em esmolas, mas na efetivação da fraternidade humana oriunda do conhecimento de nossa constituição orgânica e espiritual comuns, ou seja, da inelutável igualdade humana. De exposições sábias e profundas dos problemas do espírito, nascidas da reflexão madura e do estudo metódico e profundo. Temos de acordar os dorminhocos da preguiça mental e convocar a todos para as trincheiras da guerra incruenta da sabedoria contra a ignorância, da realidade contra a ilusão, da verdade contra a mentira. Sem essa revolução em nossos processos não chegaremos ao mundo melhor que já está batendo, impaciente, às nossas portas.

Não façamos do espiritismo uma ciência de gigantes em mãos de pigmeus. Ele nos oferece uma concepção realista do mundo e uma visão viril do homem. Arquivemos para sempre as pregações de sacristão, os cursinhos de miniaturas de anjos, à semelhança das miniaturas japonesas de árvores. Enfrentemos os problemas doutrinários na perspectiva exata da liberdade e da responsabilidade de seres imortais. Reconheçamos a fragilidade humana, mas não nos esqueçamos da força e do poder do espírito encerrado no corpo. Não encaremos a vida cobertos de cinzas medievais. Não façamos da existência um muro de lamentações. Somos artesãos, artistas, operários, construtores do mundo e temos de construí-lo segundo o modelo dos mundos superiores que explendem nas constelações.

Estudemos a doutrina aprofundando-lhe os princípios. Remontemos o nosso pensamento às lições viris do Cristo, restabelecendo na Terra as dimensões perdidas do seu Evangelho. Essa é a nossa tarefa.


Fonte: Jornal Mensagem, órgão do Grupo Espírita Cairbar Schutel, sob a direção de J. Herculano Pires - Ano 1 - Set/75