segunda-feira, 29 de julho de 2024

Em defesa da Pedagogia Espírita e do Espiritismo Crítico - IFEHP

 


Articulistas da Equipe IFEHP: Lindemberg Castro, Eduardo Silveira, Heloísa Canali, Fábio Diório, Ruth Barros, Raimundo Filho.

Desde a década de 1970, quando Herculano Pires lançou as bases da Pedagogia Espírita, o movimento espírita em geral, mesmo sem conhecer a proposta a fundo, ignora e até faz campanha contra as ideias de Herculano acerca da educação espírita. Ainda atualmente, a resistência à Pedagogia Espírita continua, e de tempos em tempos vemos campanhas contrárias sendo propagadas entre os espíritas tradicionais religiosos, mas também, e essa é a grande novidade atual, partindo de parte dos espíritas considerados progressistas. Assim como em 1970, quando Herculano Pires publicou o número 1 da Revista Educação Espírita, através da Edicel, em 2024 o cenário não é muito diferente, embora os claros avanços da Pedagogia Espírita, sobretudo a partir da fundação da Editora Comenius em 1998, da fundação da ABPE – Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, em 2004, da criação do Curso de Pós-graduação em Pedagogia Espírita em 2005, e da fundação da Universidade Livre Pampédia em 2015, projetos coordenados por Dora Incontri, e que prestam grandes serviços educacionais a partir da educação espírita.

Ao criar a Revista Educação Espírita, Herculano sofreu toda sorte de “cancelamentos” por parte do movimento espírita da época; foi acusado de autopromoção, foi acusado de fazer uma interpretação equivocada do Espiritismo, e também foi acusado de tentar promover lucro a partir da revista. Poucos foram aqueles que o apoiaram além de Frederico Gianini, então editor-proprietário da Edicel, o que fez com que a Revista tivesse apenas seis números, encerrando as suas atividades em 1974. E aqui destacamos os nomes de Humberto Mariotti e Deolindo Amorim, dentre os confrades apoiadores do projeto desde o início. Ou seja, a indiferença do movimento espírita, transformada em difamação, foi a tônica daquele momento, e assim o movimento espírita ignorava mais uma vez (e hoje não é diferente), as condições materiais da existência, em não compreender que uma revista impressa sobretudo naquela época, sem internet, precisava de recursos financeiros para se manter. A incompreensão também ocorreu pelo preceito falseado de acusar de autopromoção todos os pensadores espíritas autônomos, capazes de desenvolver filosófica e cientificamente o legado de Allan Kardec; certamente Herculano não foi o primeiro a ser acusado desta forma, pois, para o movimento espírita institucionalizado, era e é um lugar-comum utilizar dessa “metodologia” de invisibilização dos pensadores críticos e autônomos.

O Espiritismo é um projeto de educação, foi a compreensão de Herculano, e nós do IFEHP – Instituto de Filosofia Espírita Herculano Pires, endossamos a premissa mais básica da Pedagogia Espírita: “o educando é um ser reencarnado”. Tal concepção veio para revolucionar a nossa compreensão da educação do espírito, mas não é uma concepção para a “vida futura numa colônia espiritual”, é algo a ser implementado como proposta pedagógica em um tempo histórico e social. E nesse sentido, também declaramos o nosso apoio irrestrito à ABPE, nas pessoas de Dora Incontri e Maurício Zanolini, que têm se dedicado a uma tarefa pedagógica gigantesca desde 1998 com a fundação da ABPE e todos os projetos desenvolvidos a partir de então, sobretudo a pós-graduação livre em Pedagogia Espírita, a Universidade Livre Pampédia e a Editora Comenius. Os projetos da ABPE são como um oásis no meio espírita encharcado de igrejismo, de fundamentalismo e de concepções tacanhas, uma vez que oferece um robusto material crítico e de pesquisa em forma de cursos e de livros.

Infelizmente, continuamos no mesmo debate de 1970, pela incompreensão sobre a questão dos custos para manter um projeto como a ABPE ou qualquer outro projeto de educação espírita. Mesmo entre espíritas progressistas essa questão por vezes é tabu, o que mostra como o movimento espírita religioso foi eficiente em criar um arquétipo de gratuidade como sinônimo de simplicidade e humildade, uma verdadeira pieguice; e esse arquétipo possui como fundamento a caridade compreendida de forma enviesada, desenvolvido na medida para manter mentes e corpos dóceis, dependentes da lógica que ignora as condições práticas da existência.

Enquanto o movimento espírita se debate sobre essa questão inócua, há no Brasil centenas de escolas pautadas na Pedagogia Waldorf, criada a partir da Antroposofia, escola espiritualista fundada por Rudolf Steiner; e para manter toda essa estrutura, há custos, obviamente, e as Escolas Waldorf cobram mensalidades, pagam professores e coordenadores (afinal, são trabalhadores), fazem formações em 21 estados brasileiros, compram materiais diversos para o funcionamento das escolas, etc. E não vemos nenhum questionamento sobre como essa estrutura é mantida a partir de condições práticas, materiais. Seria ingenuidade achar que a caridade material seria suficiente para manter um projeto de educação tão robusto como o da Pedagogia Waldorf, que em 2020 completou 100 anos de existência e é apontada pela UNESCO como capaz de responder aos desafios do nosso tempo. Ou seja, nós espíritas estamos mais do que atrasados, presos a um debate purista e moralista.

Herculano, assim como a ABPE e nós do IFEHP, compreendia o espiritismo também como um projeto cultural; aliás ele sustentava fortes críticas contra o movimento espírita religioso que não via os centros espíritas como centros culturais de difusão de uma cultura espírita conectada com o mundo, com o tempo histórico da reencarnação. Por isso mesmo, ele propôs a criação das Escolas de Espiritismo, escolas essas que não deveriam esperar pela boa vontade de um mecenas, para que pudessem funcionar a contento; na proposta de Herculano, as escolas teriam que gerar recursos para pagamento de espaço, de professores, de coordenadores e diretores, de materiais, espaço e recursos para formar uma biblioteca, etc. Os cursos deveriam ser de nível acadêmico e universitário, e conectados com as áreas do conhecimento humano, desenvolvendo assim um trabalho cultural e educacional.

Herculano até convida os “mecenas espíritas” a direcionarem seus vastos recursos não somente para projetos caritativos, mas também para projetos educacionais; “os espíritas ricos deverão pensar seriamente na urgência da criação das Escolas de Espiritismo” (Pires, 2004). Contudo, passados mais de 50 anos desta proposição, poucos “mecenas espíritas” se preocupam com o desenvolvimento cultural do espiritismo.

A ABPE possui o legado direto de Herculano Pires quanto à Pedagogia Espírita, e implementou o que o próprio filósofo não viu sendo possível em sua época. O IFEHP se coloca como irmão da ABPE, pois o instituto surgiu a partir da leitura do livro “Pedagogia Espírita”, do Herculano, e há 15 anos temos estado na jornada em prol da filosofia e da pedagogia espíritas.



Convidamos a todos e todas a lerem duas obras fundamentais para compreendermos todo o debate em torno das questões que levantamos acima; a primeira é “Pedagogia Espírita”, de Herculano Pires, e a segunda é “Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas raízes”, de Dora Incontri. Sem o conhecimento mínimo dessas obras e suas proposições, toda e qualquer posição sobre a pedagogia espírita se torna uma mera opinião, portanto, é necessário que conheçamos sobre aquilo sobre o qual falamos, é um preceito básico.

E convidamos também a todos e todas a apoiarem os projetos da ABPE, da Editora Comenius, da Universidade Livre Pampédia, do IFEHP, e de todos os grupos que produzem conhecimento e cultura espíritas de forma autônoma, livre e kardecista. Como Herculano bem escreveu, precisamos desenvolver uma formação cultural-espírita como legado, pois o interesse pela assistência social não é suficiente para que a cultura espírita tenha a sua condição de cidadania no mundo.  

Referências:

PIRES, Herculano. Pedagogia Espírita. 10ª ed. São Paulo: Editora Paidéia, 2004.