Quem poderá nos socorrer nestes tempos
pandêmicos, no Brasil? Quem poderá nos acolher?
Quem socorre quem? Quem protege quem? E os
desassistidos em condições de vulnerabilidade social, quem protege? A família,
a sociedade civil, o Estado?
A proteção social de cidadania? As Leis
Naturais do Espiritismo? Os laços da família universal?
A família adoecida, em luto, despreparada para assumir esse papel?
A sociedade civil, que não acolhe, mas, faz a
caridade material? Os Centros Espíritas, com a sopa e o pão?
E o
Estado, ausente em seu papel de promoção de bem-estar social?
O que fazer nessa hora chegada? Somos muitos, somos tantos, somos poucos
nessa árdua tarefa de acolher quando precisa ser acolhido.
Precisamos falar sobre isso no meio espírita, porque, espíritos
imortais que somos, estamos encarnados, vivendo as lutas da carne.
Esta
é uma reflexão que nos acompanha e são tantas as perguntas sem respostas.
A primeira questão que podemos pensar ao ler o título acima, é:
espiritismo e direitos sociais são temáticas convergentes? O que pensar sobre
isso? A resposta está no arcabouço da Doutrina Espírita escrita por Allan
Kardec, com o auxílio dos Espíritos.
Os Espíritos nos dizem, em resposta à Questão nº 880, formulada por
Kardec, no Livro dos Espíritos.
“Qual o primeiro de todos os direitos naturais do
homem? O de viver. Por isso ninguém
tem o direito de atentar contra a vida do seu semelhante, nem de fazer o que
quer que possa comprometer a sua existência corpórea.”
Nossa mente nos trai, nesse momento, diante do quase meio
milhão de mortos no Brasil, pela Covid-19 (487.476 óbitos, número de 13.06.21)
quando nos perguntamos: o direito de viver vem sendo protegido, no Brasil
pandêmico, com as medidas sanitárias, vacinas e garantia de proteção social ao
povo brasileiro?
A inviolabilidade do direito à vida é
garantia constitucional, em seu artigo 5º, mas, mais parece letra morta, no
Brasil.
Nosso povo sofre chorando seus mortos,
esperando vacina, em um cenário
econômico e social em compasso de destruição, agora reforçado pela pandemia.
Sofre a população brasileira de 211,7 milhões de pessoas, sendo 170,7 milhões
em idade de trabalhar (com 14 anos ou mais), e 14 milhões sem ocupação. Somos
40% de brasileiros e brasileiras na informalidade, em sua imensa maioria sem a
proteção social básica da previdência social. Esse é o cenário encontrado pelo
IBGE, na pesquisa PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, da
Covid-19, realizada no ano de 2020.
É o projeto de morte do governo brasileiro, a necropolítica, que define os corpos que vivem e os que podem morrer. Tomamos emprestado o conceito de Mbembe (2018), que propôs a noção de necropolítica para dar conta de definir as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte.
Como falar em proteção social nesse cenário? O pacto social brasileiro,
que fez letra de lei garantindo os direitos sociais, na Constituição Federativa
de 1988, institui em seu artigo 6º
são
direitos sociais o direito à
educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade e infância, e assistência aos desamparados.
Ney Lobo, em seu livro Estudos de Filosofia Social Espírita, nos aponta as convergências entre o Espiritismo e os Direitos Sociais, ratificadas por Kardec, em o Livro dos Espíritos, Livro III. Lobo aponta, em sua obra, a definição dos direitos naturais do homem: àquilo que pertence à sua essência, à sua natureza, com existência intangível, independente das instituições políticas e sociais das organizações humanas, o que nos leva à nossa questão inicial: o Espiritismo e os Direitos Sociais são temas convergentes? A resposta está em Allan Kardec.
O homem é um ser social, agente de transformação da realidade social e
sujeito de direitos; portanto, vivente na carne, deve agir para obter a
garantia desses direitos. Nessa perspectiva e, sob a ótica do Espiritismo,
ancorados nas Leis Morais que nos trouxe Kardec, podemos nos perguntar: qual
proteção social vem sendo garantida aos brasileiros e brasileiras nesses tempos
pandêmicos da Covid-19?
Faz-se necessário, para a compreensão do contexto da proteção social, no Brasil, uma leitura mais ampliada de algumas temáticas, cujo espaço aqui não é favorável nem indicado para esse aprofundamento. O leitor pode aprofundar a pesquisa sobre os direitos sociais básicos garantidos no pacto social de 1988: o conceito de seguridade social e suas políticas de saúde, previdência social e assistência social; orçamento da seguridade social e fundo público, por exemplo; e, nessa perspectiva, compreender o cenário de retrocesso no campo dos direitos sociais, no Brasil. Cenário de desproteção social, vivida pelo povo brasileiro em tempos de pandemia da Covid-19, sem desmerecer a necessidade de nos aprofundarmos nas análise das escolhas insensatas do governo brasileiro em não garantir proteção à vida e o bem-estar de sua população.
Em breve relato, no campo da saúde, o orçamento público para 2021 acompanha os valores previstos para 2019, como se a pandemia não mais existisse no Brasil. O programa de imunização ainda não atingiu os 20% da população brasileira vacinada com as duas doses previstas. Ainda estamos muito longe de atingir o percentual de segurança que possa permitir voltar ao convívio dos nossos e a liberdade de ir e vir sem colocar em risco a nossa vida e das pessoas em nosso entorno.
Na Assistência Social, o auxílio-emergencial
mais parece um auxílio de fome que não ajuda a cobrir as despesas mais básicas,
quando, por exemplo, o botijão de gás custa em média R$ 80,00 e, nas grandes
cidades, já chega a R$ 100,00. É preciso ressaltar, também, o trabalho dos
nossos pares no Congresso Nacional que, em 2020, garantiram o valor de R$
600,00 para o auxílio-emergencial, contrapondo-se aos desejos do governo de
garantir apenas R$ 200,00 iniciais. E ainda sem fugir do nosso tema, precisamos
refletir que os espaços onde acontecem as lutas políticas são de interesse da
sociedade e não devem ser configurados em estranheza a nenhum de nós, em
particular, e ao movimento espírita, no âmbito coletivo.
Nesse cenário, é preciso lembrar que a imensa
maioria dos 14 milhões de desempregados no Brasil e os invisíveis ao sistema,
àqueles em condições de vulnerabilidade social, são os mais afetados pela
pandemia e por uma política de governo que desmonta as políticas de atenção
básica à sua população.
No campo da Previdência Social, nos atendo à análise da proteção social
básica em tempos de pandemia, podemos dizer que os pedidos de benefícios de
pensão por morte, em 2021 cresceram 47% no período, com cerca de 225 mil
pedidos aguardando análise no INSS, dados de março de 2021. É preciso dizer,
ainda, que no campo dos direitos à proteção social da pensão por morte as
regras de acesso são muito mais restritas em função da reforma da previdência
implementada em 2019, já na gestão atual do governo brasileiro. Manter a renda
familiar em tempos de pandemia para o sustento básico de suas famílias é um
desafio hercúleo dos brasileiros e brasileiras. A questão econômica caminha
junto com a questão social no Brasil pandêmico, destruindo lares, famílias e
amores de cada um. A fome e o luto andando de mãos dadas no Brasil da
desproteção social como política de governo.
A partir desse relato, que poderá ser aprofundado em outras análises e
não tendo a pretensão de esgotar o tema, bem como não se traduzir em verdade
absoluta, compreendemos que é possível, necessário e urgente que tais temáticas
sejam objeto de reflexão e socialização do conhecimento no meio espírita, pois,
como nos ensina Herculano Pires, a função do Espiritismo é a renovação integral
do homem, não apenas do homem na sua expressão individual e transitória, mas na
sua permanente expressão coletiva.
O espiritismo não é contemplativo, como nos ensina Kardec. Ainda na visão de Herculano Pires, alguns espíritas não compreendem o imperativo histórico da doutrina. Pensam que a lei de causa e efeito explica e resolve todas as coisas, cabendo-nos apenas compreendê-la e aceitar passivamente a sua ação. Ora, nos diz Herculano, a renovação do homem implica a renovação social – mas desde que o homem renovado se empenhe na transformação do meio em que vive, sendo esta, aliás, a sua indeclinável obrigação espírita.
Sejamos mentes e corpos em ação, em progresso, e, viventes na carne,
agirmos pela transformação da realidade em que vivemos, contribuindo na
construção de uma nova ordem social onde caibam todas as pessoas em condições
de igualdade de direitos e de vida.
REFERÊNCIAS:
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 4. ed. 1. imp. – Brasília: FEB, 2013.
LOBO, Ney. Estudos de Filosofia Social Espírita. 2ª Edição. Federação Espírita Brasileira. Rio-RJ. Brasil. 1996
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Arte & Ensaios. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ. 8ª reimpressão. Impresso em São Paulo. Novembro, 2020.
PIRES, Herculano. Prefácio da obra Dialética e Metapsíquica de Humberto Mariotti. Campinas. SP. 1971. Ed. A Fagulha. Movimento Universitário Espírita – MUE.
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