quinta-feira, 9 de junho de 2022

Artigo: Espiritualidade feminina: existe uma espiritualidade negada à mulher? - por Heloísa Canali

 


Autora: Heloísa Canali, membra do Grupo Gestor do IFEHP e do Fórum de Mulheres Espíritas, servidora pública federal na UFPA, pós-graduada em Pedagogia Espírita. O presente artigo deu origem à conferência ministrada pela autora, em virtude do encerramento da I Semana Amélie Boudet, no dia 13 de maio de 2022, evento realizado pelo IFEHP e pelo Fórum de Mulheres Espíritas do IFEHP.

Quero começar essa fala trazendo Kardec para nos auxiliar a pensar sobre a existência de uma espiritualidade feminina, por meio de um texto presente na RE, Ano IX de janeiro de 1866 intitulado: As Mulheres têm alma?

Essa interrogação se constitui numa questão religiosa. Porém, mais que a forma da pergunta, Kardec a alicerça sob um substrato social e humano, pois o que ele argumenta como questão de fundo, são direitos sociais e intelectuais das mulheres. Nem sempre foi certa uma resposta positiva à essa pergunta que intitula o artigo da RE, pois ao que se sabe foi posta em deliberação num Concílio. Essa “dúvida”, no entanto, foi aparentemente dirimida. A dúvida sobre a condição espiritual da mulher, gerou consequências desastrosas que ainda hoje se mantêm, e trouxe enormes prejuízos morais e sociais às mulheres a ponto de, em certas culturas, termos sido definidas como “instrumento de prazer do homem”.

O preconceito sobre a inferioridade e consequente desumanização das mulheres foi construída por homens, por meio de substratos filosóficos e posteriormente religiosos. Está presente na fala do filósofo grego Pitágoras que afirma: “Existe o princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher". Eurípedes considerava a mulher "o mais temível dos males". Aristóteles em sua obra Política, tece considerações a respeito dos papeis sociais de gênero ao afirmar que o macho é mais preparado para direção do que a fêmea; os corpos femininos são frágeis e débeis, as mulheres, portanto, são inferiores em termos anatômicos, fisiológicos e éticos. Revela-se, dessa forma, o pensamento predominante da sociedade grega da época.

No discurso religioso do Cristianismo, responsável por uma explicação cristã da desigualdade entre homens e mulheres, observamos São Paulo aconselhar as mulheres a serem submissas, pois seus discursos indicam subalternidade em relação aos homens. Santo Agostinho complementa: "A mulher é uma besta insegura e instável"; São Cristóvão afirmou: "Entre todos os animais selvagens, não há nenhum mais daninho do que a mulher".


Nas mais diversas religiões, a mulher sempre foi desconsiderada, aviltada, espoliada de direitos intrínsecos e naturais. A mulher não pode governar-se por si mesma, há que ter quem lhe dite o comportamento, obviamente, um homem. Na China, o conselho do sábio era no sentido de que não se confiasse na mulher. Na Rússia, era norma de sabedoria popular que, para cada dez mulheres, existe apenas uma alma.

A história mostra a mulher discriminada em todas as épocas. A discriminação contra a mulher é produto do sistema social, sedimentado através dos séculos e não guarda qualquer relação com disposições da Natureza. É produto do Patriarcalismo cuja feição machista decorreu da força física atribuída ao corpo masculino, enquanto o corpo da mulher foi e ainda é considerado mais frágil e débil, muito embora nos dias atuais nos deparemos com outras realidades sobre os corpos que merecem amplas e científicas discussões. Todos esses discursos integram um conjunto mais amplo de poder e biopoder. Discursos que influenciaram os comportamentos, valores e práticas de homens e mulheres desde tempos imemoriais.

O Patriarcado, como estrutura política mais arcaica e permanente da humanidade, sustenta sua  permanência em seu caráter religioso de raízes cristãs, o qual é assumido pelas crenças e valores da tradição cristã como algo sagrado. Traz no discurso religioso e suas práticas, imposições extremamente perversas para as mulheres, pois naturalizavam a inferioridade de seus corpos  acrescido de argumentos relacionados a honra, a moral e a capacidade intelectual.

 

 Por meio de mitos o Patriarcado vai se mantendo. Mitos como o da criação do homem e da mulher e do pecado original descritos em Adão e Eva, presentes também nas narrativas de diferentes povos é um deles. Eva, despudorada, foi a causa da queda do homem, responsável pela destinação penosa da humanidade através da necessidade do trabalho como castigo divino, em sua desobediência à ordem do Senhor.  Posteriormente, um contraponto foi acrescido a essa narrativa, no momento em que a necessidade da Igreja de se atualizar para conformar seus anseios políticos ao Estado e à cristandade, trazendo para a cena a figura da Virgem Maria, vulto angélico de expressiva suavidade em sua maternidade sublime. A Igreja, logo fará da virgem Maria um ser cuja característica feminina só será confirmada pelo aspecto de mãe sofredora, sacrificada e “escrava do filho”.

 

A filosofia do Cristianismo teve uma nova interpretação através da Doutrina Espírita por Allan Kardec. Aboliram-se todos os dogmas criados pela Igreja Católica como o da criação do mundo, o qual passa a ser explicado pela teoria evolucionista, e personagens como Adão e Eva perdem sua força. A missão materna, através do símbolo de Maria, representava para o patriarcalismo judaico uma dose de superação, visto que a mulher será então objeto de culto, entendimento de que, se Eva causara a perda da humanidade, Maria contribui para salvá-la, e aquela que, considerada nefasta e perigosa, podia tornar-se objeto de salvação e veneração. No entanto, a Igreja Oficial logo esvazia esse conceito de toda sua significação. O que poderia considerar-se mudanças, constitui-se em fixação de um olhar patriarcalista e machista sobre a condição das mulheres.


Durante a Idade Média, as mulheres foram confinadas aos seus lares e conventos, ou perseguidas por práticas de feitiçaria. O século XVIII, alvorecer das ideias iluministas, sob forte influência do pensamento grego, insistem na superioridade do homem a partir da dita fraqueza das mulheres, portanto, não cabe a elas as atividades de mando, nem científicas e filosóficas.

 

Essa realidade cultural machista e misógena no mundo moderno é que leva Kardec a escrever seu artigo “A Mulher tem Alma? Para ele era muito claro uma resposta afirmativa, então aproveita-se de uma contenda judicial em que se negava diploma acadêmico a uma mulher, para propugnar direitos iguais às mulheres, que pela inteligência e pelo gênio se afirmaram, mesmo que consideradas incapazes para ditas atividades em frente ao poder do patriarcado. Kardec entende e prevê que a emancipação total da mulher se daria por meios legais e abrangentes, aspecto que não pode deixar de ser considerado, no entanto, esses direitos a elas não seriam mais dados por concessão, mas por força de uma legislação justa e equânime no futuro, vez que a desigualdade de tratamentos não decorria da natureza, mas sim da imposição pela força física e poder social dos homens sobre as mulheres. Kardec vai mais além justificando seu ponto de vista considerando o princípio espírita de que Deus não criou espíritos masculinos e femininos sendo estes inferiores àqueles. Propugna igualdade dos direitos entre homens e mulheres, consoante registros na questão 822 em O Livro dos Espíritos: “todo privilégio concedido a um, ou a outro, é contrário a justiça. A emancipação da mulher caminha com a civilização, sua subjugação caminha com a barbárie.”

Diante disso, podemos constatar que, em nossa cultura religiosa judaico-cristã ocidental, encetamos grandes lutas; vivemos sucessão de episódios dolorosos e difíceis porque à mulher não foi permitido administrar sua própria vida. As mulheres das gerações passadas não tiveram muitas escolhas e muito menos escolhas fáceis – e hoje, as temos? Precisaram, e muitas de nós ainda precisam descobrir suas reais necessidades e potencial, vencer medos e preconceitos, derrubar mitos e a ter uma audácia necessária para romper com a realidade que oprime e mata mulheres.

Já que temos alma, ou seja, somos espíritos, e como reencarnados somos um ser bio-psico-social-espiritual reencarnante, temos uma espiritualidade a ser desenvolvida à medida em que vamos tomando consciência de nosso lugar dentro de nós mesmas e diante do mundo e do universo. Mas, o que pensamos que seja espiritualidade? A espiritualidade pode ser definida como uma "propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, à procura de um sentido de conexão com algo maior que si próprio". A espiritualidade pode ou não estar ligada a uma vivência religiosa. (Wikipédia GUIMARÃES, Hélio Penna. «O impacto da espiritualidade na saúde física» (PDF). Rev. Psiq. Clín. ), mas não confunde-se com práticas religiosas, embora estas sejam meios para exercer a espiritualidade.

Trazemos o que  Dora Incontri nos diz sobre o que é Espiritualidade, em seu livro A Educação Segundo o Espiritismo: “Espiritualidade é a conexão do ser humano consigo mesmo, com o transcendente, com Deus, com o espiritual. Pode se manifestar em qualquer forma religiosa ou não aparecer vestida de uma religião específica. Mas é a espiritualidade que dá suporte nas horas difíceis, pois ela nos permite a prece, a elevação do pensamento acima das circunstâncias terrenas. Ela empresta resiliência e confere sentido à existência. Qualquer forma de espiritualidade experimentada de forma saudável, sem fanatismo ou intolerância, pode trazer benefícios ao indivíduo e é muito importante no ato de educar”. O Espiritismo é uma forma de espiritualidade que procura racionalizar a fé e elevar o sentimento religioso, despojando-o de rituais e simbolismos.”

Segundo nossa construção cultural e religiosa, desenvolver e/ou praticar espiritualidade está relacionada às Religiões e com tudo o que elas representam: domínio, poder, hierarquia,  e a pretensão de serem donas de verdades absolutas e fechadas. Todavia, se quisermos desenvolver nossa espiritualidade, precisamos de analisar se as religiões com seus dogmas, rituais e tradições nos oferecem  caminho seguro para  vivenciarmos experiências que nos liguem verdadeiramente com nossa essência diante da presença de uma autoridade interna que podemos chamar de Intuição, Consciência, Deus Interior, na qual a prática dessa espiritualidade está motivada pelo desejo de nos reunir, religar, conectar com o ser superior.

Nos contextos religiosos hegemônicos, conservadores, castradores de liberdades as religiões assim constituídas deturparam as histórias das mulheres. Se demonstrassem inteligência, espírito livre, se curavam a si e aos outros, se fossem guerreiras, se tivessem desejo de amar e serem amadas eram dadas como prostitutas, loucas, profanas. Somente  às mulheres castas, puras, maternais, conselheiras, mães e que fossem exemplos de abnegação e fé era concedido o exercício de espiritualidade. A mediunidade lhes foi negada, apenas as figuras masculinas possuíam “poderes” espirituais. Esses estereótipos ainda hoje repercutem nas mulheres contemporâneas que sofrem culpa e medo originadas pela repetição naturalizada de conceitos e preconceitos da sociedade patriarcal e machista presente nas Religiões.

Muitas mulheres deram testemunhos de sua espiritualidade em alto grau , mas não sem sofrerem as injustiças e vilipêndios que alcançam o seu direito de viver. Segundo historiadores, Maria Madalena, a prostituta, endemoniada (a mulher dos sete demônios), era helenizada, culta, falava vários idiomas, possuía riqueza, espírito livre e não se deixou prender pelo casamento. Seguiu Jesus.

Joana D’Arc, considerada uma heroína da França pelos seus feitos durante a Guerra dos Cem Anos. Joana dizia receber visões divinas do arcanjo Miguel, de Santa Margarida e da Santa Catarina, que a instruíram a ajudar as forças de Carlos VII e livrar a França do domínio da Inglaterra. Foi capturada em uma batalha e entregue aos ingleses que a entregaram à Sta. Inquisição. Foi condenada à fogueira sob acusações de cunho religioso. Curioso observar de que forma se exterioriza a espiritualidade dessa jovem mulher, que negando sua condição feminina, por meio da mediunidade entrega-se a defender sua pátria em seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

D. Maria Padilla – espanhola (1334-1361) rainha de Castella, que mesmo em narrativas diversas, descrevem-na como inteligente, com capacidade de raciocínio,  médium, dotada de muita fé aliada a doçura na alma,  auxiliou o rei Pedro, o Cruel a governar com discernimento e clareza. Fundou a Ordem das Clarissas de Sta. Clara de Assis para acolher mulheres, que mesmo casadas, poderiam se refugiar de seus maridos, pais e irmãos que as acusavam de bruxaria. Foi acusada pelo cunhado de assassina e prostituta.  Repete-se aí o estereótipo dado à Maria de Madalena. Há narrativas de que esse Espirito feminino veio, por meio da mediunidade de uma negra escravizada, aqui no Brasil, comunicar-se e contar sua história, fazendo-se presente fortemente nos terreiros de Candomblé e Umbanda. Coordena uma organização de espíritos femininos, fundada no plano espiritual, em sua maioria constituída de mães, avós, tias, bisavós de seus protegidos ou de médiuns, formando uma grande ligação com a ancestralidade. São conhecidas como Pombas Giras da linha de Exu. Pomba Gira, portanto, é uma grande organização feminina que atua principalmente no plano material contra  ataques de toda ordem a outras mulheres e desejam que essas mulheres sejam autossuficientes. Não trabalham para desviar, desagregar ou induzir as pessoas ao erro, ao contrário, são leais ao processo de aprendizado e evolução da humanidade em todos os sentidos. A esses espíritos femininos são atribuídos a pecha de devassas, mundanas, debochadas, donas de dotes de sedução que as fazem  menores diante do conceito padrão machista de mulheres “recatadas e do lar”. Diz-se ainda  que, ao se deturpar o trabalho espiritual da Organização das Pombas Giras fere-se a ancestralidade e suas lutas enquanto encarnadas, castra-se o lado feminino das religiões onde as mulheres sempre são submissas ou submetidas a trabalhos menores de servir aos interesses daqueles que mandam.

Destarte a inferiorização e subalternidade de que as mulheres são vítimas, do pensamento retrógrado que as afeta, inclusive com relação à mediunidade e à espiritualidade, há grandes vultos femininos no Espiritismo que nos inspiram a caminhar. E nesse momento prestamos nossas homenagens e gratidão pelos exemplos de destemor e dedicação às causas justas e necessárias ao progresso que as mulheres espíritas que nos antecederam exemplificaram , vivendo suas espiritualidades, incentivando-nos a construir novos horizontes para as mudanças necessárias e urgentes no mundo feminino.

IRMÃS FOX - que por meio da mediunidade popularizam a comunicação dos espíritos redundando nas pesquisas sobre os fenômenos espirituais até chegar ao Prof. Rivail. Sofreram chacotas, injustiças, assédios.

SRA. PLAINEMAISON – antecede a codificação da Doutrina. Organizava sessões espíritas em sua casa, onde Kardec faz suas primeiras observações.

AMÉLIE BOUDET ,  BERTHE FROPO E ANNA BLACKWELL - Madame Kardec, imprescindível colaboradora no trabalho de construção do Espiritismo ao lado do marido. Foi invisibilizada  pelo Movimento Espírita Brasileiro que a considerou num papel coadjuvante constituindo-se apenas em esposa  de Kardec. Após o desencarne de Kardec essas três mulheres intelectuais uniram-se em defesa do legado Kardeciano contra as infiltrações de outras teorias espiritualistas como a Teosofia e o Roustanguismo sob o pretexto de atualizar o Espiritismo. Denunciaram publicamente suposta  corrupção praticada por “amigos” espíritas de Kardec que o sucederam. Fizeram suas refutações e depoimentos por meio de publicações em brochuras, jornais e revistas espíritas. Amélie foi fundadora da Sociedade Anônima que deveria divulgar as obras espíritas de Kardec e protestava nas reuniões da Sociedade, mas sua voz não era ouvida; foi desrespeitada, sofreu preconceito e assédio moral por parte dos próprios amigos de Allan Kardec, que acabou adoecendo o que levou-a a se ausentar das reuniões da Sociedade. Foi ignorada a tal ponto que Leymarie não lhe prestava nenhuma conta. Sofreu maledicência, quando Leymarie (Secretário-gerente da Revista Espírita e membro administrador da Sociedade Anônima da Caixa Geral e Central do Espritismo) respondia à solicitação de baixar o preço dos livros, que não podia fazê-lo pois Amélie recebia uma pensão da Sociedade. No entanto, ela se impunha duras privações que comprometiam sua saúde já debilitada, do que ser vista como avara. Seu objetivo era “difundir a instrução moral e intelectual entre os adeptos pobres do Espiritismo e ver crescer a obra de Kardec”.

Berthe Fropo, tornou-se conselheira e amiga íntima de Amélie, foi vice-presidente de uma instituição espírita, a União Espírita Francesa, que muito ajudou a denunciar e combater desvios doutrinários no Espiritismo do pós Kardec. Anna Blackwell a primeira tradutora mulher das obras da Doutrina, além de ter sido hábil escritora e pesquisadora, revelando e publicando novos dados biográficos de Allan Kardec.

ERMANCE DUFAUX – principal médium das sessões domésticas de Kardec.            

IRMÃS BAUDIN – A família Baudin é importante para o movimento espírita pois as Srtas.Baudin foram as duas primeiras médiuns utilizadas por Allan Kardec para a preparação da 1ª Edição de O Livro dos Espíritos.

AMALIA DOMINGO SOLER -  (1835-1909) foi uma escritora e grande expoente do movimento espírita espanhol, pela sua atuação como divulgadora e médium psicógrafa. Seus escritos destacam-se pelo estilo poético e leve.

É também caracterizada pelas inúmeras dificuldades que suportou com força e coragem. Conhece o Espiritismo por meio do seu médico que lhe ofereceu um jornal espírita. Ela se integra ao movimento, frequenta às reuniões e se torna espírita. Escreve um jornal espírita e seu primeiro artigo, A Ideia de Deus foi muito combatido pela igreja católica. Escreveu para vários periódicos deixando um grande legado literário para o Espiritismo Espanhol e mundial. Coordenou como vice-presidente o I Congresso Espírita Internacional em 1888, Barcelona, pela Federação Espírita Espanhola. No Brasil é vista somente como poetisa.


IVONE DO AMARAL PEREIRA – com sua mediunidade, simplicidade e liberdade pode exercer sua faculdade para curar os obsessos e como médium receitista. Além do mais, o que marca em Ivone em atuação mediúnica foi a sua independência, tanto que  questionava com fundamento os entraves burocráticos que algumas casas espíritas impõem aos seus trabalhadores.

AUTA DE SOUZA – poetisa da 2ª geração romântica. Escrevia poemas românticos com  influência simbolista e de alto valor estético. A maior poetisa mística do Brasil (Luis da Câmara Cascudo). Continua a produzir arte pós desencarnação por meio da mediunidade.

ZILDA GAMA – Médium antecessora de Chico no cenário do Espiritismo.

ANÁLIA EMÍLIA FRANCO (1856- 1919) – Foi a educadora das massas, das camadas mais simples da população, das mães desamparadas. Atendeu a mais de 1000 estudantes dos dois sexos nas Escolas Maternais, Asilos, Creches, Liceus e Escolas Normais cujo método de ensino preconizava a instrução aliada à formação moral da juventude num conceito de educação integral. Alfabetizava e profissionalizava mulheres para que saíssem da pobreza ou, por opção, desgarrar-se da tutela do marido. Fundou mais de 100 escolas destinadas a beneficiar e educar crianças e senhoras de todas as classes e seitas diversas, por isso limitavam-se ao ensino das verdades fundamentais como a existência de Deus, a imortalidade da alma e ao ensino da mais pura moral sem prejudicar as crenças das famílias a que pertenciam as crianças. Expulsa de uma cidade do interior de S. Paulo porque insistia em abrigar e ensinar crianças brancas e negras juntas, algo considerado uma promiscuidade escandalosa à época. Mendigou para crianças filhas de escravos. Fundou, em 24 cidades do interior de S. Paulo 71 escolas, 2 albergues, 2 colônias regeneradoras para mulheres, 25 asilos para órfãos, 1 banda de música feminina, 1 orquestra e 1 grupo dramático. Grande desconhecida!

AMÉLIA RODRIGUES - (1861-1926)- Educadora, teatróloga e escritora. Dedicou-se ao jornalismo como colaboradora de publicações religiosas como "O Mensageiro da Fé", "A Paladina" e "A Voz". Escreveu algumas peças teatrais, entre as quais "Fausta" e "A Natividade". É autora dos poemas "Religiosa Clarisse" e "Bem me queres". Produziu ainda obras didáticas, literatura infantil e romances. Continuou seu trabalho após desencarnar por meio da mediunidade.

BENEDITA FERNANDES – (1883-1947) Mulher negra. Obsediada, tida como louca, foi curada por meio do Espiritismo. Relata que ouviu uma voz que lhe disse: “Benedita, se prometeres consagrar-te inteiramente aos enfermos e pobres, sairás curada daqui”. E assim ela o fez. Após curada, criou o Lar Benedita Fernandes de Araçatuba e o Sanatório Benedita Fernandes de Araçatuba. Era médium, passista e evangelizadora de crianças. Pioneira do Movimento de Unificação dos Espíritas quando fundou em 1940 a União Espírita Regional Noroeste sendo eleita sua primeira presidente.

ADELAIDE AUGUSTA CÂMARA – AURA CELESTE – (1874- 1944) Educadora. Trabalhou junto ao espirito médico Dr. Joaquim Murtinho, que por seu intermédio atuou na cura de muitos. Fazia conferências e publicou vários livros: Vozes D’Alma, Aspectos da Alma, Palavras Espíritas, Rumo a Verdade e Luz do Alto. Criou o Asilo Espírita João Evangelista( RJ) em 1927 para crianças e velhice desamparada. Mãe dos Órfaos.

SCHEILA (Espírito) – Baronesa de Chantal, Ao enviuvar dedicou-se aos filhos e a cuidar de necessitados. Fundou a Congregação de Visitação de Maria e 87 conventos. Como Espírito desencarnado trabalhou com o médium de materialização em curas Peixotinho. Se apresenta como uma enfermeira alemã que trabalhou na 2ª guerra mundial.

MEIMEI - Irma de Castro Rocha, conhecida como Meimei por meio de psicografias, foi um espírito que se manifestava mediante as cartas do líder espírita Chico Xavier. Ela deixou grandes lições de benevolência com o próximo e sua história foi contada em diversas obras mediúnicas. São elas: “Pai Nosso”, “Amizade”, “Palavras do Coração”, “Cartilha do Bem”, “Evangelho em Casa”, “Deus Aguarda” e “Mãe”.

DORA INCONTRI - Uma mulher contemporânea, estudiosa, escritora em prosa e versos de alto grau de espiritualidade no que produz e no que exemplifica. Exemplo de destemor, dedicação e compromisso, de espírito refinado, que ao propor novos entendimentos, novas frentes conceituais, novas práticas, desconstrução de ideias equivocadas nos ajuda a olhar pra dentro de nós e para o mundo, e o faz com grande sensibilidade e respeito às individualidades. Sempre sofreu e sofre ataques machistas, mas seu lugar de mulher no mundo e no Espiritismo é defendido com coragem e muita esperança. Obrigada Dora.

Mulheres inspiram outras mulheres com exemplos de coragem e muitas vezes com delicadeza feminina. Todavia essa delicadeza não pode ser confundida com submissão e aceitação do que está posto pelas estruturas patriarcal e machista da sociedade a qual pertencemos. Elas precisam transgredir o que está posto como norma social e que, eventualmente, as demandas podem passar para as legislações, mas que, quase sempre não refletem justiça e proteção integral, quando não são implementadas pelos aparelhos do Estado. A mulher precisa ser vista com direitos ao respeito, ao trabalho, a vida digna, à educação, amparo para criar seus filhos, a exercer sua sexualidade e sua religiosidade como lhe aprouver.

Pelos contextos vividos, percebemos que qualquer projeto civilizatório em que a visão do mundo está definida pela superioridade de um dos gêneros o qual  detém o poder e por meio dele subjuga o outro, como o é no regime de patriarcado, passa a ser a fundação de todas as desigualdades e expropriação de valor que constroem o edifício de todos os poderes: econômico, político, intelectual, artístico, etc.

Finalmente, podemos dizer que a luta incessante das mulheres pelo reconhecimento de sua condição de sujeitos e protagonistas de suas próprias vidas, passa obrigatoriamente pelo Feminismo visceralmente imbricado na Religião. O Feminismo pode ser entendido como uma teoria em movimento, que apreende tudo aquilo que diz respeito à emancipação das mulheres, que procura explicar a situação das mulheres e elabora permanentemente a crítica e a denúncia da injustiça da sociedade patriarcal, capitalista, racista; e como movimento, luta pela transformação social, assim como também é uma atitude pessoal diante da vida.

Buscando, ainda, responder a pergunta que nos serve de introdução ao tema ora refletido, diríamos que, o que nos é negado não seja propriamente a espiritualidade, mas as suas expressões no mundo externo. As expressões dogmatizadas, ritualizadas, cheias de fórmulas e normas a serem seguidas, padronizadas, institucionalizadas, para que todas e todos se incluam, são aquelas consideradas válidas e legitimadas pela sociedade perante à divindade, seja qual for a divindade a qual nos vinculamos. Observamos ateus se curvarem diante da Natureza, pois reconhecem sua força e procuram se conectar com ela dos mais variados meios, desde que esses lhes tragam paz e bem-estar. Trazemos em nós a marca da divindade desde a nossa idealização por Deus como inteligência suprema do universo, desde que em nossos primórdios nesse planeta enterrávamos uns aos outros, após a morte do corpo, em sentido vertical com os braços voltados para o alto, como que em busca da conexão com o transcendente. Exercitamos espiritualidade quando adotamos uma Religião ou qualquer outra doutrina espiritualista, e até as materialistas, para orientar nossa caminhada, pois o anseio de transcender a nós mesmos e àquilo que ainda desconhecemos, nos constitui desde sempre. Para reencarnacionistas espíritas, esse exercício de espiritualidade toma uma dimensão ampliada, porque esses devem ter consciência de sua responsabilidade individual e coletiva no progresso da humanidade, a qual só se fará com atuação ativa de homens e mulheres sobre as questões que ferem as individualidades e as liberdades, cenário que ainda nos oprime a exigir posicionamentos e atitudes que semeiem para o estabelecimento de um futuro mundo de justiça, amor e caridade.

REFERÊNCIAS:

ÁLVARES, Maria Luiza Miranda. Saias, laços e ligas. Um estudo sobre as formas de participação política e partidária das mulheres paraenses. Belém/Pará: Paka Tatu, 2020. 

CAMPANARO, Priscila Kikuchi. Branquitude e religião: uma análise autoetnográfica sobre ser uma mulher branca no candomblé. Revista Mandrágora, S.Paulo. v. 27, n. 2, 2021. P. 91-113. Disponível em https://www.metodista.br/revistas/ims/index.php/MA/article/view/1036457. Acesso em 18 de maio de 2022. 

GOINDANICH, Simone Privato. O legado de Allan Kardec. S. Paulo. Ed. USE/CCDPE.. 2ª ed. Ago.2018. 

INCONTRI, Dora. A educação segundo o Espiritismo. Bragança Paulista/S.Paulo: Ed. Comenius, dez. 2012. 

KARDEC, Allan. Revista espírita. Ano IX, n. 1, janeiro de 1866. 

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 181ª edição, IDE, Araras/SP. 2009. 

MACHADO, Denise Cardoso. Corpo, Gênero e Discurso. Corpo, Gênero e Discurso. In: Diana Alberto, Rubens de Andrade, Aldones Nino. (Org.). Paisagem e gênero: estratégias identitárias e subjetivação de corpos. 1ed.Rio de Janeiro: Paisagens Hibridas: Escola de Belas Artes: UFRJ, 2020, v. 1, p. 32-49. 

VARGAS, Myriam Aldana. Feminismo e religião: uma imbricação necessária. Revista Mandrágora. S. Paulo. v. 26, n. 2, 2020, p. 171-187. Disponível em httpps://www.metodista.MA/issue/view/1536. Acesso em 17 de maio de 2022.




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